ESTRANGEIRO E BRANCO

Depois de um Velho amigo do MPLA me dizer que essa ideia de que a UNITA tem militantes (quadros) brancos em Portugal é treta, eis que um outro Velho amigo (agora da UNITA) me escreve, citando ipsis verbis – diz ele – uma afirmação de Adalberto da Costa Júnior: “Os estrangeiros podem nos ajudar mas não farão o trabalho fundamental”. Como estrangeiro fiquei esclarecido.

Por Orlando Castro

Em 1975, (tinha Adalberto da Costa Júnior 13 anos de idade) já com o país em guerra acelerada, o Presidente da UNITA teve, em Nova Lisboa, vários encontros com jovens filiados na UNITA. Foi-nos dito que a UNITA iria ganhar a guerra e que, mais cedo ou mais tarde, seria governo.

“Nesta altura a nossa preocupação é formar militares, mas temos de pensar mais à frente, porque quando for governo, a UNITA não vai ter um governo de generais. Por isso, temos de formar engenheiros, professores, médicos, enfermeiros, arquitectos, gestores, economistas, juristas, escritores etc. porque serão esses os futuros governantes. Ora, muitos de vocês podem ser militares, mas é mais importante que estudem para, mais tarde darem o vosso contributo ao país. E como muitos têm ligação directa a Portugal, devem ir para lá e prosseguir os estudos. Quando chegar a altura vão regressar porque vocês são angolanos como eu”, disse-nos Jonas Savimbi.

E assim aconteceu. Muitos de nós, até por questões de sanidade mental e sobrevivência física, “arquivaram” o dossier Angola e, portanto, a UNITA. Outros mantiveram-se, tanto quanto possível, firmes. Estudaram, arranjaram trabalho e mantiveram aberto o canal de ligação à UNITA. Hoje são engenheiros, juízes, professores, médicos, empresários etc. e continuam sentados à espera…

Durante anos os delegados/representantes da UNITA mantiveram também aberto esse canal. Alcides Sakala foi um bom exemplo disso. Mas o tempo, a guerra e o facto de o MPLA ser o único dono de Angola, fez diminuir o interesse da UNITA em relação aos angolanos da tribo branca.

Ao longo dos anos defendo aquilo que considero o mais correcto para a minha terra, Angola. Consigo não agradar nem a gregos (MPLA) nem a troianos (UNITA).

Para os que estão por dentro dos meandros da política angolana, as minhas posições são claras. Para os que estão por fora, em particular para os meus poucos (cada vez menos) amigos portugueses, tais posições poderão parecer contraditórias. E isto porque, usando o mais nobre critério jornalístico (a liberdade), tanto critico o MPLA e o Governo angolano (são ambos a mesma coisa) como o faço em relação à UNITA e aos seus dirigentes.

Embora já o tenha feito por diversas vezes, nomeadamente no Folha 8, volto a esclarecer os leitores sobre as minhas posições em relação à política angolana, à política – corroboro – da minha terra (embora esta seja a verdade que me é negada há 47 pelo MPLA).

Sou angolano, nasci em Angola, lá estudei, brinquei, cresci e me fiz homem. Mesmo que tenha sido obrigado pelos acontecimentos históricos a abandonar o país onde nasci, e a utilizar a nacionalidade portuguesa dos meus pais, o meu coração esteve lá, está lá e estará sempre lá.

Nunca me conformarei com o estado a que o meu país chegou. Nunca me conformarei com a miséria, a fome, a indignidade, o roubo e tudo o que de mau tem acontecido no meu país. Não acredito que tudo isto seja consequência da guerra, e os últimos 20 anos de paz confirmam que todo o mal que existiu e que continua a existir se deve aos governantes do MPLA.

Duvidam? Em 20 anos de paz nada mudou. A fome, a miséria, a indignidade, a mortalidade infantil, os roubos, os assassínios e tudo o resto continuam a somar pontos na minha terra porque, de facto e de jure, poucos têm milhões e milhões têm pouco ou nada.

Portanto sou militante e conscientemente da oposição ao Governo angolano e ao partido que o sustenta, o MPLA.

Compreendo que muitas das minhas posições contra a actuação da UNITA não sejam bem aceites por muitos dos seus dirigentes. Aprendi ao longo da minha vida que não me sentiria bem se ficasse quieto perante o que considero errado. E muitas das vezes não estou de acordo com a actuação da UNITA e dos seus dirigentes. Ou, mais grave ainda, com a sua não actuação, um misto de passividade e lentidão que não se coaduna com quem quer ser alternativa de poder.

A UNITA foi dirigida durante muito tempo por alguém cuja estatura de estadista e inteligência eram suficientemente grandes para que os seus militantes estivessem descansados. Quando Jonas Savimbi foi assassinado, a UNITA considerou que a democracia interna era a única hipótese que tinha de sobreviver. E estava certa. A democratização interna fez o partido sobreviver e fortalecer-se.

O que eu critico muitas das vezes na UNITA é a falta de acção, de actuação, a maneira burocrática e prenhe de lentidão como tudo é decidido, o arrastar das decisões, discutidas até à exaustão numa democraticidade interna que se é boa ao nível das grandes linhas, é um empecilho ao nível da execução, parecendo-me muitas vezes um claro exercício de suicídio político.

Comparativamente, o MPLA está em todas, lidera em força e com alguma qualidade (reconheço) quer as acções internas quer externas, vai somando – em Portugal, por exemplo – apoios em todos os estratos políticos, empresariais e intelectuais, para além de alargar os tentáculos do partido/regime a um cada vez maior número de empresas portuguesas.

E toda essa pujança do regime angolano visa fazer esquecer que 70% dos angolanos vivem na miséria, que apenas um quarto da população tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade, que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos.

Visa fazer esquecer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos, que a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos, que 80% do Produto Interno Bruto é produzido por estrangeiros, que mais de 90% da riqueza nacional privada é subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população, que 70% das exportações angolanas de petróleo tem origem na sua colónia de Cabinda.

Visa igualmente fazer esquecer que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.

Por tudo isto, a luta continua e a vitória é certa! Pode demorar, mas vai chegar, mesmo que a UNITA continue a confundir a beira da estrada com a Estrada da Beira.

Em Setembro de 2021, recordei Rui Oliveira que foi porta-voz da UNITA em Lisboa. Recentemente tinha-lhe perguntado:

– Recordas-te, meu velho, dos tempos em que vinhas de Lisboa e nos encontrávamos no Hotel Tuela, no Porto, para conversar sobre a nossa terra, umas vezes a sós, outras com o Alcides, com o Jeremias ou com o Tony?

– Recordas-te, meu velho, dos tempos em que éramos dos primeiros a saber quando algum de nós vinha da banda para nos contar como iam, ou não iam, as coisas?

– Recordas-te, meu velho, dos tempos em que de vez em quando vocês mandavam de Lisboa alguma ajuda para pôr na linha os camaradas que nos queriam encostar à parede?

– Recordas-te, meu velho, dos tempos em que te deslocaste propositadamente cá acima para me dar um abraço de solidariedade quando soubeste que eu recusara uma enormíssima promoção que tinha como contrapartida abdicar das nossas ideias e ideais?

– Recordas-te, meu velho, dos tempos em que jantámos aqui no Porto com o nosso mais Velho e ele também me disse que valia a pena recusar promoções quando elas implicam a perda da consciência?

– Recordas-te, meu velho, dos tempos, estes mais recentes, quando o Alcides e o Paulo tinham regressado há pouco tempo da mata e no átrio do hotel Porto Palácio me deram um forte, demorado e comovido abraço?

Ele recordava-se disto e de muito mais. E nem sequer algumas “violentas” discussões entre nós afectaram a memória de ambos, nem a transformaram em vagas ideias selectivas. Uma delas, recordo, teve a ver com o comportamento do então representante da UNITA em Portugal, Isaac Wambembe, e de Carlos Lopes, então “Secretário da Economia e das Novas Tecnologias” do então delegado da UNITA.

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